Falecendo o cônjuge/companheiro (a) nasce a necessidade de abertura do inventário e eventual procedimento de partilha de bens. E é exatamente esse ponto que pode gerar preocupação e aflição para o (a) consorte sobrevivente, já que surge o temor de perder o seu abrigo que, em alguns casos, pode ter servido por vários anos como a morada da família e onde o finado viveu até seus últimos dias, o que acaba por gerar até mesmo uma ligação afetiva com o bem.
No entanto, a sapiência do legislador a partir da matéria merece homenagem por assegurar o direito real de habitação ao cônjuge/companheiro (a) sobrevivente e, com isso, concedendo a este a sua permanência no imóvel considerado residência da família, venerando assim os direitos de moradia e dignidade da pessoa humana.
Tal direito, inclusive, se sobrepõe ao de propriedade dos demais herdeiros que acabam estabelecendo uma espécie de relação condominial a partir da abertura da sucessão. Por isso, a cobrança de aluguel em face do consorte sobrevivente por este estar individualmente desfrutando de um bem do espólio não é possível, até porque, caso fosse admissível, a disposição de “habitar gratuitamente” presente no art. 1.414 do Código Civil, restaria contrariada e violada.
Art. 1.414 – Quando o uso consistir no direito de habitar gratuitamente casa alheia, o titular deste direito não a pode alugar, nem emprestar, mas simplesmente ocupá-la com sua família.
O direito real de habitação do cônjuge/companheiro (a) sobrevivente deve ainda ser interpretado a partir de dois dispositivos legais, quais sejam: o art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96, cumulado com o art. 1.831 do Código Civil.
Por isso, vejamos suas respectivas disposições:
Art. 7º, da Lei 9.278/96 – Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos.
Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.
Nesse ponto cabe-se uma brevíssima consideração a ser feita.
Tal disposição legal enfatiza que o direito real de habitação possui caráter vitalício, ou seja, perdura até a morte do cônjuge/companheiro (a) que permaneceu vivo ou até que este contraia novas núpcias ou constitua outra união estável. Dessa forma, ocorrendo uma dessas hipóteses, o direito de habitação resta-se extinto.
Feita tal asseveração, prossegue-se:
Art. 1.831 – Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.
Portanto, a partir da expressa disposição acima, conclui-se com segurança que: o regime de bens que existia entre o casal é ignorado para que se atribua tal direito ao cônjuge/companheiro (a) sobrevivente e este não terá mitigada sua participação cabida na herança do de cujus, sendo mantida normalmente.
Visto isso, é importante que se faça nesse momento algumas pontuações a partir do entendimento jurisprudencial.
Por vezes surge a dúvida se o cônjuge/companheiro (a) sobrevivente faria jus ao direito real de habitação caso tenha em seu acervo patrimonial pessoal outros bens da mesma natureza. Mas, no entendimento do Superior Tribunal de Justiça - STJ - ( REsp 1.582.178-RJ), isso não impede que o direito insculpido no supracitado art. 1.831, do Código Civil seja atribuído.
Em contrapartida, o próprio STJ ( REsp 1.315.606-SP) já negou tal direito a uma viúva, visto que o imóvel que estava em discussão havia sido doado pelo falecido aos filhos de um primeiro casamento como antecipação de herança em momento anterior ao da morte. Embora o finado tenha incluído na doação uma cláusula de usufruto, é importante salientar que se trata de uma atribuição personalíssima e que cessou-se com sua partida. Nesse momento, o imóvel nem sequer era mais da propriedade do de cujus, o que explica a negativa do Egrégio Superior Tribunal de Justiça.
Mas, isso são episódios que servem de parâmetro para outros ulteriores. Logo, não podem ser considerados como uma “ciência exata”, dependendo sempre da análise individualizada do caso concreto por um profissional qualificado.
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Excelente artigo! O direito real de uso é imprescindível. continuar lendo